O que é Educação Audiovisual e quais são os seus fundamentos na escola

Por Felipe Leal Barquete

“Isso veio para ficar”. Nos corredores das escolas, ou nas salas do Zoom, é comum escutarmos essa frase das professoras, afirmando que a presença do audiovisual na escola pós-pandemia é um caminho sem volta. Vivemos um momento histórico marcado pela convergência digital na educação e a incorporação definitiva das tecnologias audiovisuais no exercício da docência, mas esse processo pode configurar tanto uma potência como um problema educacional, a depender das políticas públicas, do acesso às condições adequadas, da orientação pedagógica e das metodologias mobilizadas na escola.

A crise atual da educação brasileira tem fortalecido o debate sobre a necessidade de enfrentar os problemas da pandemia a partir de concepções educacionais e bases pedagógicas mais humanizadas e abertas à inovação das relações, ambientes e processos escolares, de modo a lidar com as singularidades da sociedade brasileira, e ao mesmo tempo se integrar a um movimento mais amplo de compreensão e resolução das crises planetárias contemporâneas.

Nesse cenário, como a linguagem audiovisual pode contribuir para a promoção de experiências de ensinar e aprender significativas e transformadoras? Quais estratégias as educadoras e educadores podem mobilizar na escola para se conectar com os estudantes e motivá-los a investigar criticamente a sua realidade, construir conhecimentos e criar novas perspectivas para o mundo através do audiovisual? 

A seguir, vamos refletir sobre o que é e quais são os fundamentos da Educação Audiovisual na perspectiva da Semente, com o objetivo de inspirar as suas práticas nas telas e no chão das escolas e comunidades de aprendizagem.

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Afinal, o que é Educação Audiovisual?

São muitas as abordagens atuais sobre esse tema, fruto de pesquisas e experiências em comunidades, escolas e universidades de todo o país. Apresentamos aqui uma abordagem que tem o objetivo de aproximar o audiovisual da cultura escolar e evidenciar as potencialidades pedagógicas dessa linguagem no desenho de estratégias de mediação de aprendizagens e processos criativos que articulam o dentro e o fora da escola.

Entendemos a Educação Audiovisual como uma abordagem pedagógica cuja interação dos estudantes com as pessoas, os saberes, as coisas e os lugares é mediada pela linguagem audiovisual, ou seja, através das práticas de ver, ouvir, pesquisar, criar e articular palavras, imagens e sons.

Nessa perspectiva metodológica ativa e colaborativa, a centralidade do processo educativo reside na comunicação entre estudantes, professoras e o mundo, favorecendo a construção de pontes entre a escola e a comunidade, encontros entre saberes, memórias, fatos, afetos, sensibilidades e subjetividades, com o objetivo de vivificar o gesto de olhar e sentir o mundo, e a partir daí contextualizar as aprendizagens e construir olhares e mundos em comum.

As crianças da EMEIF José Albino Pimentel se encontram com os ancestrais do Quilombo Gurugi-Ipiranga (PB) para conhecer a história do Coco de Roda.*

Para que as lentes e microfones de uma câmera gravem uma imagem ou um som, é necessário que exista uma intenção humana, uma motivação, um movimento interno visando criar algo no e com o mundo, tendo como material a vida em si, que se manifesta internamente e ao nosso redor.

Esse aspecto constitutivo do processo de criação audiovisual faz aflorar a potência pedagógica de nos deslocar da posição de espectadores passivos da realidade para a de sujeitos ativos – alguém capaz de ver, de ouvir e de falar, de contemplar, de sentir, de interagir, de imaginar, de indagar, de conhecer, de inventar o mundo – e consolida uma experiência de aprendizagem fundada na experimentação direta da realidade, na reflexão crítica e na criação colaborativa.

Embora guarde semelhanças, e em muitos casos se confunda com abordagens como a educomunicação, a educação midiática e a arte-educação, todas elas constituintes de um movimento histórico importante de consolidação das tecnologias da comunicação, dos recursos audiovisuais e da arte cinematográfica na educação contemporânea, acreditamos que a educação audiovisual comporta uma singularidade importante, que nos permite pensar a complexidade da linguagem audiovisual na sua interação com o campo da pedagogia – em especial o ensino e a aprendizagem – e da psicopedagogia, criando condições para elaborarmos estratégias de mediação diversas na escola, que não lidam necessariamente com o conceito da mídia, ou dão centralidade para os processos artísticos em si.

É nesse campo híbrido que nos propomos a pensar, experimentar e formular perspectivas pedagógicas que sejam relevantes no chão da escola e das comunidades, e criem as condições para que as educadoras, educadores e estudantes se apropriem do audiovisual com autonomia e criatividade.

A professora Iara da EMEIF José Albino Pimentel convidou as mães das crianças para participar do dispositivo Fotografia Narrada, compartilhando suas memórias e afeto pelos seus filhos*

Mediação, linguagem e técnica: Os fundamentos da Educação Audiovisual na escola

Como planejar e colocar em prática as atividades com o audiovisual na escola? É possível trabalhar com essa linguagem de forma significativa mesmo tendo pouco conhecimento e dificuldades técnicas? Dúvidas e problemas como esses costumam gerar muita insegurança entre educadoras e educadores da Educação Básica, e acabam obstruindo a realização de práticas que na verdade são simples, acessíveis e geram um grande impacto na motivação e no engajamento dos estudantes. 

Sim, é possível planejar e trabalhar com a Educação Audiovisual na escola de forma adaptada aos seus limites atuais e às condições estruturais disponíveis. Para tanto, é importante compreender como uma experiência educativa com audiovisual se organiza, e quais aspectos devem ser levados em consideração no planejamento e na realização dela.

Por se tratar de uma abordagem multidimensional que articula múltiplos recursos, linguagens e experiências, um projeto ou plano de aula com o audiovisual na escola pode ter diferentes formatos e dinâmicas. É necessário, portanto, que a educadora ou educador formule o seu próprio arranjo de conceitos, processos e ferramentas que correspondam à sua intencionalidade pedagógica e se adequem às suas habilidades e possibilidades técnicas.

Para contribuir com esse processo de planejamento, te convidamos a pensar e elaborar suas práticas a partir de três eixos estruturantes da educação audiovisual na escola. São eles: a mediação, a linguagem e a técnica.

1. A mediação

A mediação é o aspecto central de qualquer experiência educativa. Portanto, ao iniciar o seu planejamento, é importante reconhecer qual mediação você quer promover através da Educação Audiovisual. Esse reconhecimento define o propósito da atividade, que por sua vez elucida quais aspectos da linguagem, dinâmicas criativas e processos técnicos deverão ser mobilizados na prática.

Nessa etapa do planejamento, você pode fazer algumas perguntas: Quais são os objetivos pedagógicos da prática? Ela se articula com outras disciplinas ou projetos? Quais saberes, pessoas ou lugares podem ser articulados? Que tipo de relação pode ser produzida, com o que, ou com quem? Trata-se de uma experiência lúdica, reflexiva, exploratória, artística, celebratória?

Veja alguns exemplos: é possível mediar um processo de mapeamento do universo vocabular dos estudantes através de dispositivos de criação audiovisual, contextualizar a aprendizagem da geometria através de um estudo audiovisual da arquitetura da escola, fazer um inventário fotográfico das plantas que existem no bairro, promover uma reflexão crítica sobre a presença do lixo na comunidade em uma sessão de cineclube, investigar as atividades econômicas das famílias ou conhecer um grupo ou associação importante que atua no bairro através da realização de entrevistas, etc.

Perceba que, a não ser que a sua intenção seja criar um filme com os seus estudantes, a ênfase da mediação não precisa ser necessariamente a criação cinematográfica em si, mas a mobilização de uma experiência no mundo, um forma específica de interação com o real através da linguagem audiovisual, com objetivo de sensibilizar e potencializar a relação dos estudantes com os lugares, as pessoas, os saberes e as coisas. Posteriormente, tanto o conteúdo produzido como o relato das experiências podem ser revisitados na sala de aula para consolidar aprendizagens e construir conhecimentos diversos.

As crianças da Escola Nossa Senhora do Carmo (Bananeiras/PB) visitam a igreja em um projeto de pesquisa sobre o patrimônio material e imaterial da cidade.*

2. A linguagem

A linguagem audiovisual possui singularidades importantes que precisam ser reconhecidas para que se possa compreender o seu potencial pedagógico e, assim, incorporá-la no currículo e no planejamento das aulas a partir da sua complexidade e transversalidade.

Em geral, o audiovisual é mobilizado na escola de um modo que o submete a um processo de abstração do conhecimento, com a ilustração dos temas do livro didático, por exemplo, ou ao entretenimento, com a exibição de filmes sem um propósito pedagógico para além da recepção passiva dos conteúdos representados neles. Nesses casos, a linguagem audiovisual se limita a reproduzir a dinâmica tradicional da transmissão do conhecimento da professora para os estudantes.

Para ampliar os horizontes pedagógicos a respeito da Educação Audiovisual na escola, é necessário compreender como essa linguagem se organiza e quais processos ela potencializa na sala de aula ou no território educativo. Através da produção de uma imagem e/ou de um som nós podemos, por exemplo, ter acesso ao modo como os estudantes compreendem a sua própria realidade sociocultural, podemos problematizar o modo como certas representações de uma cultura são construídas dentro e fora da escola, ou como um determinado saber se manifesta concretamente nos nossos modos de viver.

No planejamento, você pode se interrogar sobre como incorporar os elementos e processos de criação audiovisual nas suas práticas, como por exemplo: produção de fotografias, depoimentos, criação de desenhos, gravação de sons, montagem de vídeos, etc. Quais desses formatos podem potencializar a experiência e/ou a aprendizagem almejada? Qual será a dinâmica proposta? Haverá criação de conteúdos audiovisuais, pesquisa na internet, exibição, análise crítica de filmes?

Enquanto educadoras e educadores, é importante reconhecer a dimensão estética dessa linguagem, a dinâmica pela qual ela nos afeta emocionalmente ao mesmo tempo em que coloca em jogo assertivas sobre o mundo, modos de ser, sentir e interpretar a realidade. Para isso, podemos partir de um reconhecimento da nossa própria experiência, da nossa própria cultura audiovisual.

De um lado, o audiovisual desempenha um papel central de produção e na reelaboração do nosso imaginário individual e coletivo através do cinema, das novelas, da publicidade e do jornalismo. Nesse modo de existência da linguagem, o audiovisual está distante, de certa forma, pois é produzido de modo profissional e em escala industrial. Ele é caro, complexo e intangível. A nós, cabe o papel de refletir criticamente sobre as dimensões ética, estética e política dos conteúdos que nos são apresentados, e problematizar quais aspectos culturais estão sendo reforçados ou transformadores através deles.

Por outro lado, o audiovisual está na palma das nossas mãos. Através das redes sociais, nos tornamos tanto consumidores como produtores de conteúdos audiovisuais, e contribuimos diretamente na elaboração e partilha dos afetos, das sensibilidades, do imaginário e das visões de mundo que atualizamos cotidianamente. Da mesma maneira que um enquadramento define um recorte da realidade, assim também se constroem as nossas narrativas audiovisuais sobre os acontecimentos do cotidiano, e através delas, discursos mais complexos se organizam, ressoam e mobilizam ações concretas das pessoas na sociedade, produzem novos modelos mentais, novas referências culturais, etc. Estamos lidando, portanto, com uma linguagem que em nada é neutra, mas sempre fruto de uma escolha, de um olhar, de uma montagem, de um gesto criativo. 

É nesse dinamismo estético-expressivo e na transversalidade da linguagem audiovisual que aflora o seu potencial pedagógico na escola. As imagens e sons que se apresentam para nós não estão segmentadas a priori em conteúdos disciplinares e, por isso, a depender de como elas são trabalhadas em um processo educativo, é possível estabelecer diferentes cortes e dinâmicas de elaboração dos afetos e dos saberes suscitados por elas, bem como refletir sobre a relação delas com as questões existenciais dos estudantes, contribuindo assim para a promoção de uma experiência de aprendizagem criativa e significativa.

As crianças de Nova Palmeira (PB) participam de uma sessão de cineclube voltada para uma reflexão sobre o cuidado do meio ambiente.*

3. A técnica

A dimensão técnica é determinante para viabilizar ou obstruir a realização de uma atividade de Educação Audiovisual na escola, seja pela disponibilidade ou precariedade de recursos como equipamentos e infra-estrutura, seja por lacunas nas habilidades técnicas das educadoras e educadores, ou o desconhecimento sobre como organizar um processo pedagógico que envolva a criação audiovisual com os estudantes.

Ao desenhar o seu projeto ou plano de aula, é importante partir das condições técnicas e estruturais disponíveis. Nessa etapa, você pode fazer as seguintes perguntas: Quais materiais, equipamentos e infraestrutura estão disponíveis para a prática? Quais são as demandas concretas de tempo, deslocamento, produção dos materiais, realização da atividade, organização e partilha do material produzido pela turma? É possível estabelecer alguma parceria para suprir alguma deficiência técnica que foi identificada? 

Desse modo, será possível visualizar como seria a experiência audiovisual proposta, antecipar os problemas que podem surgir e assim fazer os ajustes necessários para que ela se adeque aos tempos, espaços e recursos disponíveis.

Vale ressaltar que a linguagem audiovisual é inerente ao ser humano, uma vez que o nosso sistema auditivo e visual são estruturantes do nosso processo de desenvolvimento cognitivo, na elaboração dos pensamentos e na comunicação com o mundo. As ferramentas e técnicas atuais nada mais são do que um simulacro dos nossos modos de pensar e interagir com o mundo. Portanto, a educação audiovisual não depende necessariamente da tecnologia para ser mobilizada na escola.

A linguagem audiovisual pode ser trabalhada com atividades sem a câmera, com o suporte de papéis, cartolinas, tesouras, lápis de cor, giz de cera e canetinhas. A partir desses materiais, é possível construir jogos ópticos, molduras de papel, produzir e montar histórias, e assim mediar atividades ligadas à sensibilização do olhar e à construção de narrativas, por exemplo.

Quando houver a disponibilidade de equipamentos como celulares e laptops, já é possível produzir imagens e sons digitais de forma colaborativa, e assistir no computador, incrementando as práticas anteriores com outras dinâmicas de criação, pesquisa, exibição e reflexão.

Em um cenário mais robusto, com câmeras, projetor, laboratório de informática e acesso à internet, é possível incorporar ferramentas digitais interativas, redes sociais e ambientes virtuais de aprendizagem, estruturando um processo híbrido de criação e aprendizagem com práticas de edição em grupo, por exemplo, além de possibilitar a realização de experiências coletivas impactantes como sessões de cineclube no pátio ou na quadra da escola, envolvendo toda a comunidade escolar.

Em suma, vale ressaltar que a dimensão técnica da Educação Audiovisual não se vincula a um padrão ideal sem o qual não é possível realizar nenhuma atividade com imagens e sons na escola. Pelo contrário, a técnica aflora das condições atuais, e se vincula diretamente às demandas de mediação e às possibilidades de manipulação da linguagem com ou sem ferramentas tecnológicas.

As crianças da EMEIF José Albino Pimentel (Quilombo Gurugi-Ipiranga/PB) constróem suas próprias câmeras de papelão na sala de aula.*

Contextualização

Nesse texto, compartilhamos alguns aspectos constituintes da nossa base pedagógica, a partir da qual a Semente realiza um trabalho de contextualização e/ou de desenvolvimento de metodologias alinhadas ao projeto político-pedagógico das escolas parceiras. Em cada contexto, incorporamos outras categorias e conceitos que entram em diálogo na elaboração de novos processos e práticas escolares.

E você? Que tipo de projeto ou disciplina você está mediando? Como gostaria de incorporar a linguagem audiovisual em suas práticas?

Deixe seu comentário aqui no Blog. A partir dele nós vamos selecionar os temas para elaborar novos textos sobre a Educação Audiovisual!

* As imagens compartilhadas nesse texto fazem parte do repertório de projetos realizados pela Semente desde 2014. Saiba mais nesse link.

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