Por Ana Bárbara Ramos, Felipe Leal Barquete e Isaac Pipano
As imagens e sons fazem parte do nosso cotidiano e, desde o início da pandemia, é notável como sua presença foi intensificada na mediação de tantos processos sociais – profissionais, pedagógicos, culturais, políticos, artísticos, sanitários, dentre outros. A popularização da tecnologia digital gerou um contexto no qual estamos totalmente imersos na cultura audiovisual. Nunca assistimos a tantas imagens e ouvimos tantos sons por meio de dispositivos tecnológicos e suportes variados. Paradoxalmente, por mais que estejamos habituados às tantas interações digitais, a Educação Audiovisual ainda é um tema, e um termo, pouco abordado pela comunidade escolar. Se, por um lado, o audiovisual está presente na vida escolar desde, pelo menos, o começo do século XX; por outro, muitas professoras e professores da Educação Básica ainda desconhecem as múltiplas possibilidades que essa linguagem e tecnologia oferece para a construção de metodologias de ensino-aprendizagem em seus processos de formação, em estreito diálogo com a própria Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Vejamos como.
Como entendemos a Educação Audiovisual
O conceito Educação Audiovisual vem sendo desenvolvido em diversos grupos de pesquisa, projetos e educadoras de diferentes lugares do mundo, de modo que não há uma interpretação unívoca a seu respeito, mas sim uma diversidade de abordagens teórico-metodológicas que problematizam o potencial pedagógico do audiovisual na educação e propõe articulações com as práticas em sala de aula.
Com a ampliação do acesso a celulares e câmeras portáteis, a dinâmica de produção de imagens e sons deixou de ser uma exclusividade de setores como a comunicação ou o campo cinematográfico, e passou a mobilizar e mediar processos de sociabilização nos diversos setores da sociedade. Na educação, o audiovisual pode ser pensado enquanto um instrumento de mediação de aprendizagens com a mesma seriedade e complexidade que o livro, o lápis e a borracha, embora tenha a sua singularidade, assim como potenciais e limitações.
Para nós, a educação audiovisual, antes de ser uma inovação das práticas de ensino-aprendizagem, é uma possibilidade de promover encontros. Encontros dos estudantes consigo mesmos, com o outro e com o mundo; encontros com a comunidade escolar, o território e a natureza; encontros com os seus próprios saberes e os saberes que estão no mundo.
Através de uma metodologia que incorpora a linguagem audiovisual na cultura escolar e nas práticas de ensinar e de aprender, propomos uma concepção de educação baseada na afetividade, no comprometimento com o mundo e com o desenvolvimento integral do ser humano. Como podemos contribuir nessa direção? Através do desenvolvimento e contextualização de metodologias ativas que articulem os dispositivos de produção de imagens e sons com os diferentes recursos pedagógicos já utilizados pelas professoras, com o objetivo de potencializar suas práticas e qualificar as experiências de aprendizagem na escola.
Diálogo com a BNCC
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é o principal instrumento normativo para a orientação do conjunto de aprendizagens fundamentais que devem ser desenvolvidas ao longo de todas as etapas e modalidades da Educação Básica no Brasil. Nela, estão dispostas as competências e habilidades que devem ser contempladas ao longo do processo de escolarização e que norteiam tanto a formulação de currículos, quanto os projetos político-pedagógicos de escolas, sistemas e redes de ensino em todas as regiões brasileiras. De acordo com o site da BNCC, “a Base especifica onde o aluno deve chegar (o que se espera que o aluno aprenda), e não como o professor deve ensinar”. Nesse sentido, há um entendimento de que os modos de contextualização, assim como as práticas e estratégias de mediação de aprendizagem, são de competência das professoras e professores, principais agentes no processo formativo das crianças e adolescentes.
Ao observarmos as dez Competências Gerais para a Educação Básica apresentadas pela BNCC, é possível perceber uma enorme potência na relação que as práticas educativas audiovisuais estabelecem com o conjunto de competências e habilidades que devem ser desenvolvidas na escola. Muito embora a palavra audiovisual apareça citada de forma apenas episódica no documento, como uma das competências específicas da área de Linguagens, notamos sua importância como linguagem, arte , técnica, tecnologia e metodologia, seja como um campo do conhecimento específico, seja como um componente transversal ao currículo que favorece a mediação de aprendizagens diversas. Sendo assim, é possível construir e fortalecer uma cultura audiovisual na escola integrada às demais atividades e recursos didáticos, de forma estrutural, em consonância com os direitos das crianças e adolescentes no que concerne à educação pública e de qualidade.
Educação Audiovisual: específica e transversal
Para que a Educação Audiovisual possa ser integrada à escola e às redes de ensino, é possível conceber duas abordagens distintas e autônomas, mas que também podem se complementar.
A primeira abordagem se dá justamente ao considerar a Educação Audiovisual como um campo específico do conhecimento, articulado aos Campos de experiências da Educação Infantil, ao campo das Linguagens, no Ensino Fundamental; e às Linguagens e suas tecnologias, no Ensino Médio. Aqui, o audiovisual pode ser tratado em sua especificidade, como um saber específico, enquanto linguagem, tecnologia, história e ferramenta de comunicação, em interface com as diversas formas de interação sociais, de correntes pedagógicas, e variadas possibilidades de criação artística e de experimentação sensível. Como campo específico, o audiovisual é um instrumento poderoso nos processos de desenvolvimento da criatividade, de alfabetização midiática ou mesmo como recurso para uma abordagem crítica das TIDCs (Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação).
Numa abordagem transversal, parte-se das Competências Gerais da BNCC para todo o processo de escolarização – da Educação Infantil ao Ensino Médio – compreendendo o modo como a Educação Audiovisual não apenas atende integralmente a cada uma das competências, mas amplifica e potencializa os processos de ensino-aprendizagem atuando fortemente para propostos no planejamento das aulas, como a construção de conhecimentos, o desenvolvimento de habilidades e a formação de atitudes e valores. Nessa perspectiva, compreende-se que uma ênfase na Educação Audiovisual na formação de professoras e professores permitirá que a técnica e a linguagem audiovisual possam ser integradas às estratégias de mediação e atividades das mais variadas, de forma inter e transdisciplinar. Transversalmente, o audiovisual pode atuar no aprimoramento das metodologias e práticas pedagógicas ao relacionar os mais variados campos de experiência e conhecimento e promover experiências de aprendizagem mais significativas.
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Sete propostas para uma Educação Audiovisual no Brasil
- articulada ao território e engajada ética, política e esteticamente, construindo pontes entre a comunidade escolar e seu entorno;
- mobilizadora de recursos tecnológicos e digitais, com igual atenção às condições e limitações materiais oferecidas pelos contextos e realidades de cada unidade de ensino;
- inter e transdisciplinar, transitando entre as mais diversas áreas do conhecimento, integralizando todo o currículo e não apenas restrita aos campos das Linguagens, Artes e suas tecnologias;
- atenta às exigências curriculares e aos instrumentos normativos do MEC, como a BNCC, portanto orientada para um trabalho segundo as competências e habilidades de cada campo do conhecimento e segmento da Educação Básica;
- focada no cuidado de si e do mundo, com ênfase nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU (ODS), a educação socioemocional;
- comprometida com o amplo desenvolvimento da autonomia das educadoras e educadores, amparando suas experiências e construindo um ambiente interativo e colaborativo.
- comprometida com o desenvolvimento integral dos estudantes, contribuindo para a contextualização das suas aprendizagem e estimulando processos que os posicionem como protagonistas e criadores do mundo que estão inseridos.
Muito boa a proposta da Escola Semente. Muito interessante e propício ao momento que vivenciamos, o conjunto das 7 proposta apresentadas para uma Educação Audiovisual no Brasil é pertinente e relevante!